Das pequenas corridas e das grandes vitórias

18-11-2018

Depois de Março deste ano deixei de correr, retirei-me das redes sociais, abandonei os grupos de treino. Após duas mudanças de emprego num ano, não me sentia esgotada, nem desmotivada. Só não tinha o que partilhar. Qualquer que fosse o grupo de pessoas com que estivesse, invariavelmente as conversas eram sobre os filhos que eu não tenho, as viagens que eu não posso fazer, as provas de corrida em que não ambiciono participar, o automóvel novo (e eu, que eu não posso mudar). Não que não me satisfaça o sucesso dos outros. Desejo o melhor aos meus amigos e conhecidos. Só não tinha mesmo conversa. As redes sociais tornaram-se para mim num espaço de tortura e auto-comiseração. Não é que me incomodasse observar o sucesso exibido pelos outros em selfies garridas com descrições supérfulas. Mas não compreendia porque é que todos conseguiam fazer a Transcanária, escalar o Machu Picchu, pagar colégios aos miúdos, fazer jantar de treinos das Terças, das rampas, do trail, do crossfit, vegan, das francesinhas ou dos cachorros, mudar de casa, criar cogumelos, abrir um alojamento local e eu não. Com as mudanças de horário de trabalho comecei a deixar de conseguir ir aos treinos e as conversas dos amigos interessavam-me tanto como a importância dos insetos na cultura do ananás.

Passados uns meses comecei a frequentar o ginásio com o Paulo e com a Glória e voltei a correr, sem grupo. Vagarosa, trepei horas de paralelos da Afurada. Habituei-me a passar tempo sozinha. A treinar, a almoçar, a cruzar a A3. Sem companhia mas não solitária. Creio mesmo que, quando é uma escolha, estar sozinho, observar, ponderar, fazer introspeção é um ato muito pouco solitário embora, conhecermo-nos a nós mesmos, possa ser profundamente cruel. Trepava as rampas erguidas de frente para o rio e apercebia-me de que eu era a única responsável pelas escolhas que tinha feito e pelos resultados que as mesmas me tinham trazido. Que houve circunstâncias, sim, que as tinham provocado. Mas que, nas mesmas exatas circunstâncias, outras pessoas poderiam ter decidido de outro modo. E é tão hediondo, tão doloroso ter que assumir que não podemos culpar as circunstâncias pelos nossos erros e que só nós somos os culpados dos nossos resultados. Se outros tinham chegado a patamares da vida que eu queria ter atingido, não era por serem melhores que eu, nem por terem mais meios, mais recursos. Antes por terem feito melhores escolhas e quase sempre mais sacrifícios do que eu. Tive que aceitar que não sou vítima, mas responsável pelas opções que tomei e me trouxeram até aqui. Vocês sabem lá a solidão que é compreender que somos os únicos responsáveis por mudar a vossa vida. Voltei a mudar de emprego. Mais uma vez, recomeçava. Não estava propriamente na estaca zero mas estava novamente a iniciar um caminho. Continuei a correr, mas tive que assumir mais um resultado das minhas escolhas: tinha ficado meses sem calçar umas sapatilhas pelo que não aguentava nem tantos km nem ritmos atingidos anteriormente. Antes que me ocorresse voltar a arrumar as sapatilhas, o Paulo inscreveu-nos numa prova de 10 Km que teve lugar hoje, em Santa Maria da Feira, a Biorun. Fui com o Paulo e Glória com 1 Hora de antecedência, que afinal foram 2, porque a corrida que lemos ser às 10:00 h, só tinha partida marcada para as 11:00 h. Valeu-nos a companhia do Pedro e da Ingrid! Na partida, já se faziam sentir inúmeras críticas e reclamações. Ou porque chovia...imagine-se chover em Novembro!, ou porque a caminhada tinha partido primeiro e os caminhantes iriam obstruir o caminho...não sei como são os outros povos, mas o português adora carpir. Imagine-se a ira do pelotão quando compreendeu que a prova de estrada, afinal, não tinha alcatrão e o percurso estava marcado maioritariamente em trilhos de lama. Ui! Foi um "Não se admite, é uma vergonha"!; "Se sabia tinha trazido as sapatilhas de Trail; "Eu não vim aqui para isto". Compreendo que quem se dedicou e treinou para fazer um determinado tempo de prova tenha saído defraudado. Admito que a organização teve falhas graves como a falta de meios de socorro e duas passagens dentro do Centro de Congressos num piso mais escorregadio do que a lama do trilho. Mas já que lá estavam, que já tinham pago, porque não aproveitar? Correr por correr, pelo gozo de pisar a relva fresca, sentir o aroma dos ranchos de eucaliptos distribuídos pelo caminho, os pés a enterrar-se na terra ensopada pelas chuvas recentes, chapinar nas poças. Admito que há um ano atrás também teria ficado revoltada por ver o meu objetivo de cortar a meta num determinado tempo, converter-se no objetivo de acabar a prova sem cair e me magoar. Mas hoje compreendo que a vida não é uma fatalidade. Não somos nenhuns fantoches de uma peça escrita pelas circunstâncias. Se não temos meios para, naquele momento, atingir o nosso objetivo, adequamos a estratégia. Tentamos de novo. Não perdemos a oportunidade de usufruir do momento e da companhia. De aprender algo de novo. Eu não perdi. E esta foi, para mim, uma grande vitória.

Ana



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